O alimento e a cozinha sempre foram grandes assuntos na vida da chef Vivi, a começar pela sua exigência, desde criança, em se alimentar com pratos bem-preparados e com a mesa posta como se fosse em dias de festa. Vivi desde cedo se relaciona com a comida como ritual, decoração, beleza e festejo. Ela se lembra de sua avó paterna em como ela era requintada nos almoços de domingo que preparava para receber a família. O seu Quindão foi famoso em São José dos Campos, a sua cidade natal, vendendo esse doce para iniciar o percurso com a sua independência financeira. Colecionou receitas de revistas em um caderno escolar (que chef não fez isso?), aprendeu receitas com a sua mãe, tias, admirava os chefs nacionais e internacionais. Ainda nesse início de juventude Vivi trabalhou na famosa pizzaria no Vale do Paraíba, o Perequim, que na época tinha duas casas, uma em São José e a outra em Ubatuba.
Vivi Gonçalves
Vivi abriu o seu primeiro negócio aos 24 anos, o Cabala Bar e Café, em São José. Foram 5 anos de sucesso, de 1992 a 1997, um bar que ficou conhecido como ponto cult da cidade. Justamente pelo Cabala ter sido hype, Vivi cria um novo projeto na velha estrada para Campos do Jordão para mudar a natureza do negócio, o Coelho e Cabrito, onde toca pela primeira vez no conceito mais profundo de uma cozinha sustentável: criou suas galinhas, plantou suas hortaliças e desenvolveu um relacionamento de confiança e respeito com a rede de produtores locais. Basicamente praticou a essência da filosofia “farm to table”, antes mesmo deste termo existir.
Da velha estrada de Campos, Viviane Gonçalves partia do Brasil no ano 2000 para preparar-se à uma luta por um grande objetivo: abrir um restaurante na China. Mas antes disso, o caminho foi longo, ela passa pela Inglaterra. Em Bristol, Vivi, além de ter realizado a sua formação na área de “Catering & Hospitality” no City of Bristol College, entrou em contato com a filosofia da sustentabilidade quando trabalhou como sous-chef do badalado restaurante Bocanova. Lá aprendeu o processo de renovação diária do menu, do aproveitamento total dos insumos, otimizando, assim, o estoque diário, além de definir as compras dos insumos de acordo com as estações do ano. Estava no ar as transformações dos hábitos e do consumo em direção aos alimentos orgânicos, à sustentabilidade, a valorização do pequeno produtor e as feiras livres, enfim, uma postura crítica e ética em relação às grandes redes de alimentos e suas relações com o meio ambiente e a ecologia.
O treinamento e as experiência de Viviane como souschef na Inglaterra abriram seus caminhos para a China em 2004. Em Pequim, além de mais uma vez ser a empreendedora do seu próprio negócio, ela cuidou da construção do seu novo restaurante, o “Alameda”, desde os aspectos arquitetônicos, passando pelo estilo de decoração minimalista, até a sua cozinha que explorou ainda mais os vegetais. Na China, a chef encontrou uma abundância de vegetais e a maneira local de prepará-los, a técnica chinesa: as texturas, a crocância, o “wok” (uma panela típica chinesa), a cocção rápida, são influências da cultura gastronômica chinesa na sua cozinha. A China é um país que passou por um período de fome por conta da Revolução Cultural (1966-1976), de modo que o valor que se dá ao alimento é aquele de aproveitar ao máximo cada insumo, de ponta a ponta, principalmente as proteínas. O Alameda foi um restaurante de sucesso, foi frequentado por estrangeiros de todas as partes do mundo que buscaram novidade na sua cozinha brasileira e contemporânea. Estamos falando do ano de 2004, quando Pequim começava a se organizar para as Olimpíadas. Muito antes dessa onda vegetariana em restaurantes mais refinados, a chef valorizava os vegetais como poucos. O restaurante recebeu, por 3 anos consecutivos através de uma premiação realizada pela revista That’s Beijing, os títulos de: Melhor Restaurante, Melhor Chef, Melhor Serviço, entre outros.
Apesar do seu grande sucesso, não era fácil para a chef Vivi viver em Pequim. A começar pelos direitos humanos, que não dá para fechar os olhos com as atrocidades que acontecem lá, a minoria sempre será minoria, e a poluição em Pequim era uma realidade muito difícil de lidar. Para a chef que trata a culinária com devoção, que é profundamente comprometida com a sua cozinha, sua ética reconhece que “(…) a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.” (trecho da Carta da Terra)
Vivi Gonçalves volta para o Brasil depois de viver 10 anos fora, e, claro, esse retorno também foi bem estudado e pensado pela empreendedora, pois o país vivia seus anos dourados. Após um ano de pesquisa em algumas capitais brasileiras, a grande oportunidade de passar uma breve temporada estagiando nos prestigiados restaurantes “Maní” e “D.O.M”., Vivi escolheu São Paulo para estrear o seu novo “ChefVivi”, que se situa há onze anos na charmosa Vila Madalena. É raro não a ver no seu espaço, onde ela prepara tudo, dos pães do couvert às sobremesas. Muito provavelmente em função dessa busca pela perfeição, já na estreia em São Paulo, Vivi ganhou o prêmio da Veja “Comer e Beber” por três anos consecutivos, em 2019 como melhor chef do ano e melhor restaurante na categoria “variados”, abrindo com maestria uma trajetória que, nesse momento, a consagra como um dos grandes nomes da gastronomia do Brasil.
Agora, a chef entra numa nova fase com três empreendimentos correndo ao mesmo tempo: a Fabriqueta ChefVivi, o ChefVivi Casa, e o serviço nos balcões e mesas do terraço no próprio espaço da Fabriqueta. A atmosfera é europeia porque herda o funcionalismo com a criatividade em unir no mesmo lugar a produção industrial e o serviço de salão. É o mesmo espírito de tomar um vinho na própria vinícola, cerveja na cervejaria, aquilo que está sendo produzido na frente do cliente poderá ser consumido no mesmo lugar. É um novo marco nessa belíssima trajetória de uma mulher que se autocriou, e que busca por novos negócios com o desejo de que mais algumas décadas de trabalho, com seriedade e amor, sejam caminhadas.